Literatura e Cultura: A Carta de Caminha e os Cronistas do Descobrimento
- Leonardo Campos
- 11 de set. de 2024
- 6 min de leitura
Saiba mais sobre a Literatura de Informação (Quinhentismo), documentos importantes para a compreensão dos preâmbulos da história literária brasileira.
Documento histórico. Registro do olhar europeu colonizador para um continente até então inexplorado pelos engajados comercialmente na Era das Grandes Navegações. A famosa Carta de Pero Vaz de Caminha, espécie de certidão de nascimento oficial no Novo Mundo, foi escrita minuciosamente para informar aos poderosos portugueses sobre as belezas e mistérios deste território que logo mais, seria fonte de riqueza para os seus colonizadores, numa história de exploração, conflitos, escravidão, dentre outras questões que demarcaram a história do Brasil. Letrado, Pero Vaz de Caminha era um fidalgo escrivão oficial da esquadra de Pedro Álvares Cabral, tornando-se o responsável por documentar o que acharam e, por meio de sua escrita com toques sofisticados de estilo, delinear desde as belezas naturais ao tipo de “gente” que aqui habitava, os povos indígenas, parte integrante de uma existência que se diferenciava dos códigos de civilidade da população europeia, num encontro etnocêntrico que marcou para sempre a trajetória de todos os envolvidos e demarcou quem somos nós, na contemporaneidade, enquanto povo diverso, parte integrante de um caldeirão cultural denso.
Arquivista do Duque de Bragança durante um período, Pero Vaz de Caminha era um homem sofisticado em seu tempo. Andava entre os nobres e reis, motivo pelo qual o fez ser a pessoa responsável por descrever o que tinha sido encontrado para D. Manuel I. Depois de lida, a tal carta foi registrada pela Secretaria do Estado e ficou por eras na Torre do Tombo, local conhecido por ser o arquivo oficial do estado português. Foram 200 anos de obscuridade, até que em 1773, o arquivista José Seabra da Silva reencontrou o documento e demarcou a sua primeira revisão. Mais adiante, em 1817, encontrada no arquivo da Marinha Real do Brasil, foi publicada por intermédio do padre Manuel Aires de Casal, figura da nossa história que resolveu levar o documento aos jornais e torna-lo de conhecimento mais amplo. Escrita em estilo arcaico, na era de transição do galego para o português mais moderno, esta carta, na contemporaneidade, é um conteúdo que ainda nos possibilita uma série de interpretações e tem, como destinatário, todos nós, brasileiros.
Confidencial, A Carta de Pero Vaz de Caminha era parte das experiências dos países envolvidos nas Grandes Navegações, expedições exploratórias que expandiram o capitalismo ao redor do planeta. Associada ao que os estudos literários chamam de Literatura de Informação, o documento integra o conjunto de textos que se desenvolveram em cartas, diários, tratados e crônicas. Com estilo que superava a perspectiva burocrática dos relatórios científicos, o material está inserido no contexto literário por mesclar elementos de fantasia com aventura e anedotas, numa demonstração de escrita criativa, elegância estilística e potencial para inspirar realizações literárias posteriores, como as releituras irônicas de Mário de Andrade e Oswald de Andrade em Macunaíma e Pau-Brasil, respectivamente. Quando nos dedicamos a sua leitura, precisamos levar em consideração o projeto colonial de Portugal, a identificação de valores que entravam em embate diante dos choques culturais e o olhar europeu que mais adiante, transformaria as novidades aqui encontradas em símbolos de nacionalidade.
Com foco na expansão dos lucros e fronteiras, as expedições que permitiram o surgimento destes documentos dos cronistas do descobrimento não eram viagens turísticas, ao contrário, tinha a finalidade exclusiva de explorar e conquistar novos espaços, assim como os estadunidenses fazem na Lua Pandora no épico Avatar, narrativa contemporânea que alegoriza com eficiência esta era da história da humanidade, numa perspectiva mais turbulenta e tecnológica, claro. A sua estrutura traz uma visão bíblica das coisas, ainda imbuída dos costumes medievais, em especial, na reflexão sobre a salvação das almas dos indígenas encontrados, figuras de postura até então desconhecida, de atos considerados selvagens. Em linhas gerais, já se falava da necessidade da catequese, isto é, colocar em voga a guerra santa e a conquista da fé pelos inimigos da Igreja, a grande patrocinadora destas expedições de evangelizações, cabe ressaltar, caro leitor.
Aqui, Pero Vaz de Caminha descreve aquilo que os deslumbrados da esquadra de Pedro Álvares Cabral contemplaram, com base em sua miopia etnocêntrica: o “outro” é o estranho, o selvagem, aquele que precisa ser salvo. A visão das coisas é edênica, tão paradisíaca que futuramente seria associado com a ideia de um Novo Eldorado, o lugar das promessas de prosperidade econômica, a terra prometida. Quando chegaram, por sua vez, os mencionados pertencentes da esquadra não eram os primeiros. Houve, sim, uma aceleração da ocupação por medo do domínio de outras nações que estavam na batalha em suas expedições exploratórias, mas já em 1498, Duarte Pacheco Pereira já havia passado por aqui, numa rápida travessia pela costa de onde hoje é o ponto do mapa que conecta Amazonas e Maranhão, informação mantida em sigilo por causa da forte pressão oriunda da concorrência espanhola, interessada na conquista da América do Sul e sua totalidade. Pero Vaz de Caminha, eloquente em suas descrições, narrou a experiência de chegada e deixou um registro desta época, aventureira e romantizada em muitos livros de história, numa certidão que demarca o achamento de uma terra que ainda hoje, é um mistério.
Confira um mapa mental bastante elucidativo sobre a Literatura de Informação.
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Importante observar que nos estudos literários, A Carta de Pero Vaz de Caminha ocupa o capítulo de Literatura de Informação (Quinhentismo). Deixo por aqui algumas características do período, mas não esqueçam da dica de sempre: confira os textos na íntegra, para ampliar o seu repertório cultural e vocabular, combinado?
Esse período literário, iniciado no século XVI, é marcado pela literatura informativa e de viagem, gerada principalmente pelos primeiros europeus que chegaram ao continente americano. Aqui estão algumas das características mais destacadas:
1. Descrição Detalhada da Natureza: Os cronistas do Quinhentismo dedicavam muitas páginas para descrever a flora e a fauna do Novo Mundo. As descrições eram minuciosas, tentando capturar a exuberância e a novidade da paisagem natural para os leitores europeus. Obras como a Carta de Pero Vaz de Caminha são bons exemplos dessa característica.
2. Registro das Primeiras Impressões: As crônicas dessa época frequentemente relatam o primeiro contato com as terras brasileiras e seus habitantes. Essas narrativas serviam tanto para informar quanto para maravilhar os leitores. As primeiras impressões eram bastante vívidas e carregadas de subjetividade.
3. Etnocentrismo Europeu: Muitos cronistas demonstravam uma visão eurocêntrica, julgando as culturas indígenas a partir dos valores e padrões europeus. Essa característica é evidente nas interpretações e descrições dos povos nativos como "selvagens" ou "exóticos".
4. Propósitos Documentais e Informativos: A escrita desses cronistas tinha um forte caráter documental. Eles produziam textos que funcionavam como relatórios para a Coroa Portuguesa sobre as novas terras, descrevendo potencial econômico, riquezas naturais e possibilidades de colonização.
5. Mistura de Realidade e Ficção: Algumas narrativas misturavam observações reais com elementos fantásticos ou imaginários. Esse hibridismo ajudava a tornar as crônicas mais atrativas e, às vezes, mais espantosas aos leitores europeus, ávidos por histórias sobre o desconhecido.
6. Influências Religiosas: A presença da religiosidade é marcante. Muitos cronistas eram missionários ou tinham uma visão do Novo Mundo influenciada pela perspectiva cristã, vendo a necessidade de evangelizar os povos nativos e interpretar suas culturas através de conceitos religiosos.
7. Interesse Econômico: As crônicas frequentemente tocavam em aspectos econômicos, como a exploração de recursos naturais e a descrição de produtos exóticos com valor comercial. Isso refletia o interesse da Coroa Portuguesa em explorar economicamente as novas terras.
8. Relação com a Coroa Portuguesa: Muitos cronistas escreviam sob a encomenda ou patronato da Coroa. Suas obras serviam para documentar os progressos das explorações, as riquezas encontradas e os desafios enfrentados, fortalecendo a propaganda do império e justificando a conquista e colonização.
9. Uso da Linguagem Simples e Direta: A linguagem das crônicas era, em geral, simples e direta, evitando estilizações literárias excessivas. Isso se devia ao intuito informativo e documental que guiava esses textos.
10. Percepção do Outro: A relação com os indígenas e a maneira como eram vistos pelos cronistas, oscilava entre a admiração e a estranheza. O 'Outro' era percebido muitas vezes como inferior ou ingênuo, mas essa visão também podia ser modificada pelo contato e a convivência. Essas características delineiam o perfil dos cronistas do descobrimento e ajudam a entender a literatura produzida durante o Quinhentismo brasileiro. Elas refletem o contexto histórico, cultural e social daquele período, marcado pela descoberta e colonização do Novo Mundo.
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